maio 29, 2007

marés

Embalo-te nas minhas marés e dou-te mistérios à boca.
E se não saboreias o sagrado que habita em mim é porque te apressas em ânsias de amanhãs que virão, mas ainda não se conjugam no presente.
Pára e vê as pontes que te estendo e os barcos que te esperam junto à minha margem.
E não me lembres o mar alto, nem os ventos que clamam por mim, antes de partirmos juntos.

memória

Pergunto-me se estás aí. Depois permaneço. Demoro-me na memória.
Recordo a cor dos teus olhos. A expressão.
E imagino que estás mesmo a meu lado.
No ar vejo o teu rosto em contornos irregulares, como esboço inacabado.
As memórias perdem nitidez, mas não se esbatem.
E tu moras cá dentro.
Pergunto-me se estás aqui. E no momento vejo de novo o relance da tua face incompleta.
Deixo-me ficar. Sinto o teu abraço.
Digo na minha própria voz as palavras que sei que me dizes, mas não se ouvem.
E permaneço. Sorrindo.

maio 21, 2007

voltar

Tenho de te pedir desculpa. Sei se me distanciei. Sei que por vezes falho e já não estou lá. Muitas vezes, cada vez mais.

Sabes, o tempo escasseia-me (não é desculpa, eu sei) e é-me cada vez mais difícil conseguir fazer tudo. Desdobrar-me. Faltam-me as ganas de antigamente.

Mas quero que saibas que já me apercebi e que vou voltar.

sms

Resmungou com o barulho sem se aperceber que tinha batido com a porta do carro. Pensou "esta gente é mesmo bruta" seguindo em direcção ao rio.

Era um daqueles dias em que nem o sol, nem o nevoeiro tinham dado as suas graças. Não tinha magia. E estava portanto de acordo com o seu estado de espírito.

Caminhou com a cara de poucos amigos. Expressão dura qb, que não assustando as crianças que passavam, as impedia de sorrir para ele.

Os óculos escuros ocultavam-lhe os olhos, mas a expressão corporal denunciava o estado de espírito a quem passava. Deu um pontapé num pedra que repousava incauta no chão. E por pouco não se desviava de um cão, também ele de aspecto descontente e de certo com queixas da vida.

Foi até onde podia ir. Tinha de gastar o desassossego e apagar as rugas de expressão que lhe compunham o rosto.

Ligou do seu telemóvel debitando palavras para o lado de lá. Gritando para além da sua percepção.

Passado um bocado. Um bom bocado, regressou ao carro.
Antes de ligar o motor, respirou fundo, ganhou consciência e pensou "às vezes sou uma besta".

Do lado de lá, o som de sms: "desculpa".

palavras

Não sei por onde começar. Cansa-me o silêncio.
Cansa-me a necessidade de o quebrar.
E as palavras depois de ditas parecem-me ocas. E por vezes aquela sensação, o tal pensamento que manso, se insinua ao meu ouvido; a pergunta que nem tu me sabes responder.

Tudo é latente, e sistematicamente desgovernado. Como se o vento ditasse a direcção que tomo. Como se fosse tudo obra do acaso. Como se eu fosse mais do que sou agora, como se eu fosse exactamente o que posso ser... como se o equilíbrio me escasseasse.

Como se eu me escasseasse...

E depois nada. Uma acalmia que se instala sem mais demoras. O cheiro da brisa que me afaga a cara. E eu que descubro que tudo faz parte de mim, que tudo me faz falta.

E que mesmo que o silêncio me canse, é o meu silêncio. E que há momentos que apenas parecem ocos, mas não são. E que a vida encontra sempre o seu caminho.