março 19, 2007

labirinto

Dar-te-ia mais se pudesse, mas algo dentro de mim impede-me de pronunciar o teu nome, de dizer seja o que for. De me entregar.

Albergo uma incapacidade de amar que me assusta. Correcção. Tornei-me pessoa na incapacidade de sentir o que sinto, na regra própria de não me permitir ser para além da imagem que criei, de não arriscar nem mais uma cicatriz.

Dar-te-ia mais se pudesse, mas perdi-me neste labirinto de fios: protótipo de sistema de alta segurança que entrou em colapso autogerido e não aceita o código do programador.

Às vezes penso que vais partir, e tenho o impulso de te beijar. Mas o meu corpo permanece na mesma. Dar-te-ia mais se me pudesse libertar do que sou agora.

março 07, 2007

o passeio

Eram 4 da tarde. O parque estava praticamente vazio e isso aconchegou-lhe a alma. Sentiu que podia respirar, que ninguém iria quebrar aquele pequeno mundo instantâneo, temporariamente só seu. Os ombros relaxaram, alongou a coluna. Era bom passear sozinha, não ver ninguém, deixar o mundo do outro lado.

Era isso que gostava de fazer quando precisava de tomar uma decisão. Era isso que lhe acalmava a incerteza do que fazer.

E hoje definitivamente o passeio não era lúdico, era a clareza de espírito que queria alcançar.

março 03, 2007

ausência

O que me preocupa não é o facto de tu talvez não me ouvires. É a possibilidade provável de eu também me votar ao silêncio. Como se os meus pensamentos, os meus recados pessoais, fossem cartas que guardo numa caixa no fundo do armário, sem as abrir.

Culpar-te do que somos agora é sem dúvida mais fácil. Seria até credível. Mas no meu reflexo vejo a minha ausência. E essa será mais difícil de perdoar do que o teu alheamento.

março 02, 2007

Azul

Para trás ficavam os pés marcados na areia ainda molhada. À sua frente o mundo a perder de vista e um azul que se entranhava na pele e se tornava extensão dos seus olhos. O mar ia e voltava e nos seus percursos tocava-lhe os pés; a água estava fria mas isso era-lhe indiferente.

Apenas a imensidão do azul o tocava. E o vento que apesar de forte e em sentido contrário ao seu, lhe acalmava a inquietação. Continuou, cada vez mais depressa, agradecendo a cada passo o facto do horizonte se multiplicar e o azul continuar lá.

Ia vencer aquela dor, ia matá-la de exaustão. Enquanto não parasse não tinha princípio nem fim. Enquanto continuasse podia libertar-se do emaranhado de coisas que o esmagavam.

Fez questão de respirar. Profundamente. Em coordenação perfeita com o seu passo corrido. Queria perder os seus limites, misturar-se com o ar, tornar-se azul…

As pegadas ficavam cada vez mais profundas. O cansaço, esse não vinha. A necessidade era continuar.

Lá atrás o mar apagava o seu rasto, como um amigo que o acompanhava em silêncio.