novembro 17, 2007

o comboio

O som do comboio tinha algo de libertador que não conseguia explicar. Como se o som da sua passagem pelos carris, e o apito lançado para o ar, abafasse a necessidade que tinha de gritar, pelo simples facto de que se o fizesse ninguém o poder ouvir.

Também não sabia explicar as inquietudes que lhe invadiam a alma de quando a quando. Pequenos medos que tinha acumulado pela sua vida. Pequenos rancores.

O que o atormentava de verdade, não eram os desassossegos, era a inaptidão de mudar, de cortar o ciclo.

Muitas vezes tinha tido a sensação de que o universo se divertia atormentando-o com pequenos muros e escaladas, sabotagens de diferentes graus. Às vezes para o levar à irritação, outras ao desespero, outras ainda ao desgaste e à exaustão.

A incapacidade de sair de tal enrodilhado de pequenas dores era muitas vezes atribuído a essa perseguição cósmica.

Estava mesmo em querer que era tal a força do universo, que sem ter dado por isso, lhe enraizara uma espécie de vírus, que circulava livremente entre a sua mente e a sua alma e lhe condicionava as atitudes e decisões, sabotando-o mais do que uma vez.

Nos últimos tempos, dava, no entanto, consigo a pensar que talvez, talvez, grande parte da sua inacção tivesse apenas origem em si e tudo o resto eram apenas coincidências. E isso sim era verdadeiramente assustador.

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