junho 27, 2008

a casa I

Olhou para o lado. As paredes vazias embrulhavam o cadeirão, e o cadeirão por sua vez, aconchegava-a a ela. Lá no canto 7 caixas. Um móvel do Ikea, por montar, uma aparelhagem, por ligar; nas outras caixas, a sua vida, o que importava dela, a materialização física das suas memórias.

Levou o copo de vinho aos lábios, deixando que algumas das gotas mergulhassem na sua boca, sorriu, era sempre assim, a melhor parte de beber vinho era pensar que o ia beber, encará-lo como um ritual quase religioso. Mas por alguma razão desconhecida as suas papilas gustativas teimavam em discordar.

Como se receassem, que se tornasse uma alcoólica compulsiva, davam ao vinho um ligeiro travo de desagrado no final.

Bebeu mais um pouco, nunca fora mulher de desistir dos seus sonhos. Especialmente os pequenos, que somados fazem a vida.

Levantou-se em câmara lenta, deixando a casa habituar-se à sua presença, desfilou pelo chão. Decidiu onde ia ficar o quadro comprado em Praga, mínimo, dono de vários de tons de azul.

Abriu a caixa mais pequena, enquanto se ajoelhava. Tirou o livro, lembrou-se de ligar-lhe, tocou nas folhas. De volta ao cadeirão, percebeu que o telemóvel estava na mala, que estava no quarto, que lhe parecia agora demasiado longe.

Não, ia ficar por ali. A apreciar o livro, que deixara a meio há mais de 6 meses, e o armário que comprara ontem numa loja de velharias. Apetecia-lhe fazer companhia a ela mesma.

três passos de dança

Rasgo silêncios, quebro surdinas.
Digo-me segredos, estendo-me sobre o chão.
Três passos de dança, na escuridão.
E o sono que não vem,
que não embala o momento
não estende a mão.