maio 20, 2008

demasiadas palavras II

Porque o prometido é devido, para a Lis.

Para trás ficou o troco. Ficaram rostos e olhares, estranhos, surpreendidos, de pessoas que não conhecia e que naquele momento o irritavam profundamente. Ainda não se habituara a esta irritação súbita, quase agressiva, que trepava por si, sem razão que a justificasse, toldando-lhe o espírito e mente, negando as suas crenças, a sua educação.

Cerrou os dentes. Apertou o punho. Em simultâneo pensou o bom que seria não haver pessoas à volta. "Não haver pessoas", "não haver palavras", "não te ouvir".

O desassossego desceu mais uma vez aos seus pés.
Nova correria. Ridícula, desajustada. Instabilidade evidente. Gravata oscilando sem destino, casaco sem compostura.

A cada passo, as palavras em torrentes, o reviver daquela conversa, das que lhe antecederam, das que não vieram depois. A angústia da decisão que tomara, a certeza que fora um erro, a consciência que não havia outra opção.

Cruel a forma como a doença se aliava com a dor de forma perfeita.
A dor de deixar em vida os que amava como se tivesse morrido. A inquietude da mente, as confusões ilógicas, intercaladas, com os momentos de clarividência.

"Não te vou fazer passar por isso, não vais ver-me definhar no meu próprio corpo" revivia o pensamento que teve e as palavras que então disse "Não te amo. Encontrei outra pessoa, vou sair de casa hoje".

Passos mais acelerados, o livro torturado pelas mãos. E novamente uma montanha de palavras, todas as palavras que ela disse. Principalmente aquelas que marcadas por uma fragilidade e desilusão ainda hoje lhe rasgavam o coração "Eu amo-te, és parte de mim. Porque é que me estás a fazer isto? porquê?".

Respirou fundo. Sentou-se no banco em frente ao rio. Abriu o livro e enquanto lia, revirava vigorosamente os dedos dos pés contra a sola dos sapatos.

4 comentários:

Anónimo disse...

:-) Obrigada.

Lembrou-me um conto de Eça de Queirós...

Lis

AR disse...

de nada...

:)

Ainda bem que gostaste.

Até à próxima (a ver se me dá menos preguiça de escrever e muito mais tempo para o fazer).

AR

Anónimo disse...

Tudo ok. Só não me apetece escrever mais. Aparecerei por cá.

Lis

AR disse...

Ok (de qualquer forma fico à espera de mais textos teus daqui a uns tempos)

:)